“Falta ao Brasil se conectar mais globalmente”
Médico diz que burocracia brasileira é incompatível com a dinâmica de pesquisas científicasO neurocientista Miguel Nicolelis é um idealista partidário de filosofia pragmática pouco cultivada entre as cabeças iluminadas do Brasil. Seu trabalho só terá sentido se tiver um efeito multiplicador capaz de mudar a realidade das camadas sociais mais abandonadas do país. Conheça um pouco mais o médico na entrevista a seguir:
Qual a influência de seu pai um juiz de direito e sua mãe, escritora, sobre sua filosofia de trabalho?
Nicolelis: Essa combinação foi importante para formar o tipo de atitude que desenvolvi para fazer pesquisa. O trabalho de minha mãe e minha avó, que também era uma intelectual, influenciou muito, especialmente na visão de como criar esses projetos sociais. Ser filho de alguém que escreve para crianças há mais de 40 anos ajuda porque você tem um exemplo de como se estabelece um diálogo de igual para igual com uma criança. A idéia básica é dar liberdade para ela adquirir, por si só, a formação intelectual, criando condições para que se sinta feliz e tenha prazer em ler, em vasculhar ou perguntar. É importante que as pessoas que lidam com crianças dêem a elas a segurança de que podem inquirir e que sejam nutridas com esse aconchego intelectual. Temos de incorporar isso no sistema educacional brasileiro.
Por que o senhor foi continuar seus estudos nos Estados Unidos?
Era um caminho natural fazer pós-doutorado no exterior. Eu já era professor da universidade naquela época, mas queria aprender e desenvolver certas coisas que não existiam no Brasil. O ambiente para fazer pesquisa na faculdade de medicina estava muito difícil e o cenário americano proporcionava a oportunidade de desenvolver projetos que ainda não tinham sido realizados nem nos Estados Unidos.
Quando escolheu a neurociência como especialidade já vislumbrava a importância que ela iria ter no século 21?
Nunca imaginei que a área de interface cérebro-máquina fosse decolar de maneira tão grande. Ela se transformou numa das áreas de maior evidência da neurociência.
Por que a cidade de Natal foi escolhida para sediar o Instituto de Neurociência?
Por uma série de critérios que visavam descentralizar a produção de conhecimento do sudeste para o norte e nordeste brasileiro, criando uma nova cultura que permita incorporar essas regiões na comunidade científica. Procurávamos uma capital de médio porte, com a infra-estrutura mínima necessária para o projeto. Era importante que a cidade não fosse muito grande, pois queríamos que o trabalho social tivesse impacto significativo na comunidade. Essa proposta tem ajudado a disseminar o nome da neurociência brasileira pelo mundo. As pessoas ficam maravilhadas ao saber que o Brasil está investindo num projeto dessa magnitude que não existe em lugar nenhum do mundo.
Quais são os maiores desafios ao desenvolvimento da neurociência no país?
A identificação de talentos e a possibilidade de ter fontes de financiamento sustentáveis. Falta ao Brasil se conectar mais globalmente, ter mecanismos dinâmicos de interação para que os pesquisadores tenham capacidade de reagir melhor aos acontecimentos em outras partes do planeta. Ainda hoje temos dificuldades, por exemplo, para importar equipamentos e material de trabalho. Tivemos um processo longo e difícil, com empecilhos burocráticos tremendos para trazer equipamentos ao Brasil. Melhorou muito, mas ainda há uma burocracia enorme.
É importante ao Brasil trazer de volta jovens cientistas que estudam no exterior?
Parte da missão do IINN é essa, repatriar talentos que precisam de um local que os acolha. É importante que o Brasil continue mandando pesquisadores ao exterior para treinamento; alguns ficarão, é inevitável. Mas isso também ajuda ao país, porque alguns que ficam no exterior mostram para o mundo que o Brasil é capaz de formar pessoas competentes. Além disso, é importante manter o intercâmbio com os melhores laboratórios do mundo.
O senhor tem uma visão globalizada da ciência. Qual a sua opinião em torno da legislação brasileira sobre pesquisa, a lei de biossegurança e especialmente a discussão atual em relação à utilização de células-tronco?
Conheço pouco a lei de biossegurança. Quanto à utilização de células-tronco acredito que algumas pessoas adoram amplificar certas querelas. É esse o caso quando se fala de um grupo de células que ainda não tem identidade consciente e que de forma alguma pode ser reconhecido como um ser humano pensante, e cujo subproduto celular poderá salvar milhões de vidas no futuro. Para mim não existe nenhuma querela ética aí. De um dia para outro, muita gente virou cientista de células-tronco. Há um monte de pessoas criticando a pesquisa sem saber como ela é feita.
Disponível em: http://www.cremesp.com.br/?siteAcao=Revista&id=320
1 Comentários:
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